O Processo de Gestão no Terceiro Setor,
vale dizer, dos recursos humanos nele encontrados, apresenta várias
peculiaridades, passando pelo tipo de serviço prestado, pela coexistência de
diferentes atividades e pela complexidade dos desafios inerentes à sociedade
civil, na medida em que é direito dela protagonizar com eficiência as
tratativas que lhe dizem respeito, no âmbito social. Mas sem qualquer dúvida, o
fator mais importante dentro deste contexto, é o homem, agente fundamental nos
processos sociais e, ao mesmo tempo, objeto de todas as ações de tal natureza.
É fato
incontroverso que o 1º e 2º Setores experimentam sensível retração e até mesmo
certa crítica quanto às motivações de suas ações e grande discussão sobre seus
modelos, especialmente devido ao adensamento populacional urbano e a escassez
de recursos naturais que têm produzido crescente processo de exclusão social.
Nesse contexto, o
Terceiro Setor tem-se apresentado como uma força viva apta a concorrer para a
mitigação do largo fosso de miserabilidade que assola nosso país de forma
real,para o recrudescimento da insegurança e dos alarmantes e terríveis
aspectos de violência, vistos não apenas em nossas metrópoles, mas até nas mais
interioranas cidades. Importante salientar que, sob o aspecto da violência ou
da segurança enquanto política pública, não se pode descartar a ingente
relevância das entidades do Terceiro Setor, cujas inúmeras interfaces dialogam
de maneira significativa com a cidadania inclusiva, nas áreas e demandas
sociais de inegável influência e, por via indireta, no próprio cenário da
criminalidade e da violência.
Mais certo ainda
é ser a adequada administração dos recursos humanos o fator essencial para
estabelecer estratégias que aproveitem o máximo de qualificação daqueles que
deslocam o amor de seus corações para o preenchimento das lacunas sociais.
Assim, no
presente escopo, pretendemos gizar os principais aspectos referentes à
remuneração de dirigentes estatutários e não estatutários das organizações do
Terceiro Setor de assistência social, tema que recebeu permissão expressa do
legislador pátrio e que concorre para suprir lacuna indesejável e tormentosa
para os que atuam no setor social. Trataremos ainda, de aspectos relacionados a
tal inovação legislativa, tais como a imunidade tributária em sua percepção
constitucional.
Construção
de uma sociedade mais participativa
O Brasil anda a
passos largos, no afã de construir uma sociedade moderna e efetivamente preocupada
com suas demandas sociais. No entanto, apesar da ocorrência de um considerável
avanço na área social nas últimas décadas, a verdade é que a sociedade
brasileira ainda convive com muitos problemas que a afetam diretamente.
O Terceiro Setor,
nesse diapasão, tem sido importante para essa mutação de coisas, pois a
sociedade civil organizada tem fomentado a consciência crítica de um pensamento
uniforme de responsabilidade social. Mesmo porque, não há dúvida de que a
construção da cidadania é uma forma de melhoria da qualidade de vida das
pessoas e da sociedade vista de forma difusa.
Registre-se,
inclusive, que, apesar de a democracia estar presente na maioria das anteriores
concepções de Estado, o cenário atual passa por uma nova roupagem, com a
participação popular não somente no processo político, mas também nas decisões
do Governo e na execução de políticas públicas, especialmente na área social.
Nessa linha, o
Grupo de Trabalho do Marco Regulatório do Terceiro Setor, liderado pela
Secretaria-Geral da Presidência da República, veio à tona e iniciou suas
atividades no final de 2011, para tentar implantar uma nova realidade nas
parcerias entre o Poder Público e as Organizações da Sociedade Civil (OSC).
Objetiva-se com o
Marco Regulatório a construção de uma nova relação entre as OSC e o Estado, que
valorize efetivamente a importância das organizações como parceiras para a
construção de uma sociedade mais justa, especialmente na execução de políticas
na área social.
Várias são as
frentes que estão sendo trabalhadas pelo Marco Regulatório, merecendo destaque
a que pretende a edição de novas regras para o repasse de recursos públicos,
para a sustentabilidade e para buscar novos instrumentos de parceria que
efetivamente atendam ao interesse público; a que trata do “simples social”; da
problemática da sustentabilidade das entidades; do fomento à cultura de doação;
dos incentivos fiscais; dos fundos patrimoniais etc.
Da
possibilidade de remuneração de dirigentes – aspectos históricos e normativos
A possibilidade
ou não das instituições sem fins lucrativos remunerarem seus dirigentes é, sem
dúvida alguma, um dos assuntos de maior interesse e que gera maiores incertezas
entre as pessoas que, de alguma forma, encontram-se ligadas às entidades do Terceiro
Setor, seja na condição de dirigente, de integrante de algum órgão da pessoa
jurídica, seja na condição de órgão fiscalizador. E, de fato, a matéria não é
de fácil compreensão, uma vez que o seu completo entendimento exige uma análise
das legislações tributária e previdenciária aplicáveis ao contexto e dos
títulos e certificados concedidos pelo poder público, além de outras exigências
advindas do próprio ordenamento jurídico.
Certamente, no
seu nascedouro – e, particularmente no Brasil, até duas décadas atrás – essa
questão não despertava maiores questionamentos, em razão da pouca dimensão
ocupada pelo Terceiro Setor, fato este que lhe impunha algumas características
bastante singulares, entre elas a preponderância do voluntariado e do espírito
altruístico, as quais tinham – e ainda hoje o têm – grande repercussão na forma
com que as organizações são administradas.
Porém, à medida
que o novo modelo de Estado e a própria sociedade civil organizada imprimiram
uma maior participação dessas organizações na prestação de serviços de
interesse da sociedade, verificou-se, de pronto, a necessidade de se dar um
perfil mais profissional às entidades integrantes do Terceiro Setor, surgindo
daí a questão inerente ao assunto tratado: a necessidade de que as pessoas jurídicas
sem fins lucrativos possam remunerar os seus administradores.
De fato, quase
que como um senso comum, as pessoas ligam a remuneração à ideia de que as
pessoas jurídicas sem fins lucrativos, por terem esta natureza, não podem
possuir em seus quadros pessoas contratadas para geri-las e administrá-las,
mediante remuneração. Isso, contudo, é um grande equívoco, tendo em vista que
no direito brasileiro não há – e nunca houve – dispositivo legal que vede o
pagamento de remuneração aos administradores dessas entidades, desde que
observados determinados requisitos e, principalmente, a possibilidade de se pôr
em prática essa medida.
A primeira
questão que deve ser observada é que a decisão de se remunerar ou não os
dirigentes deve estar expressa no respectivo estatuto, ou seja, este documento
deve conter artigo específico prevendo a possibilidade de remuneração ou, em
caso contrário, vedando-a. Essa exigência é obrigatória em razão do que se
afirmou quanto à inexistência de dispositivo legal sobre a matéria; portanto, a
norma estatutária é o referencial a ser observado. É fundamental lembrar que a
omissão de dispositivo portador de norma dessa natureza não permite nenhum
pagamento a título de remuneração. Porém, antes mesmo dessa previsão
estatutária, devem os dirigentes analisar o custo-benefício de se adotar tal
medida, uma vez que ela tem repercussão direta nos benefícios fiscais e nos
títulos de que é portadora a pessoa jurídica.
De um modo geral,
a legislação tributária, sobretudo a federal, não permite que as entidades
remunerem seus dirigentes e sejam beneficiárias de impostos e contribuições.
Contornos
da novel Lei nº 12.868, de 15.10.2013
Agora, contornos
legais foram implementados com a Lei n. 12.868, de 15 de outubro de 2013. Essa
lei modifica o artigo 29 da Lei n. 12.101, de 27 de novembro de 2009, com o
propósito de permitir, sem perda de eventuais benefícios fiscais, a remuneração
dos dirigentes estatutários e dos não estatutários das organizações do Terceiro
Setor de assistência social, assim definidas as reconhecidas e certificadas
como entidades beneficentes de assistência.
Importante
averiguar-se especialmente se a inovação legislativa, por ter sido trazida ao
mundo jurídico mediante lei ordinária, não conflita com norma constitucional ou
outras que lhe sejam superiores. Para tanto será necessário trazer à discussão
alguns conceitos jurídicos, notadamente referentes à imunidade tributária.
No contexto da
abordagem, saliente-se que somente serão consideradas como Organizações da
Sociedade Civil e integrantes do Terceiro Setor as fundações privadas e as
associações de interesse social, a saber, as entidades cujas atividades sejam
de interesse da sociedade civil vista de forma difusa, na área educacional,
assistencial, de saúde, cultural etc.
Serão considerados
como dirigentes, outrossim, as pessoas participantes da alta administração das
OSC. E estão nesse contexto os responsáveis pela gestão. Com efeito, a
estrutura de poder usual das associações é composta de uma Assembleia Geral
integrada por todos os associados, um Conselho Administrativo e um Conselho
Fiscal (muito embora não obrigatórios pela legislação, absolutamente
recomendados pelas melhores regras de governança corporativa) e uma Diretoria
Executiva, esta incumbida de executar a gestão. A estrutura de poder das
fundações privadas é similar, com a coexistência de um Conselho Curador, um
Conselho Fiscal e uma Diretoria.
Deve-se
considerar, outrossim, porque importante para a compreensão do tema, a
existência de duas modalidades de dirigentes: estatutários e não estatutários.
Dirigentes
estatutários e não estatutários
O dirigente
estatutário é aquele cujas atribuições são definidas no Estatuto Social e faz
parte do centro de poder principal da OSC. A sua autonomia de fazer ou deixar
de fazer em nome da Organização é definida no Estatuto Social, evidentemente
subordinada à observância do ordenamento jurídico. Em regra ele não possui
vínculo empregatício com a OSC e recebe, como contraprestação aos serviços
prestados, uma espécie de “pro labore”, definido pelo próprio Estatuto ou em
deliberação da Assembleia Geral ou Conselho Administrativo, tratando-se de
associação, ou do Conselho Curador ou órgão similar, tratando-se de fundação
privada.
O dirigente não
estatutário é aquele responsável pela gestão, cujas atribuições não são
necessariamente definidas no Estatuto Social. Geralmente ele não faz parte
do centro de poder principal da OSC e possui vínculo empregatício com a OSC, em
regime celetista. Como tal deve manter contrato de emprego com a Organização,
atendendo aos requisitos do referido contrato, quais sejam, a pessoalidade, a
subordinação, a onerosidade e a habitualidade. Nessa condição deve ser
subordinado a um dos órgãos da estrutura de poder da OSC, deve prestar os
serviços pessoalmente (e não por meio de pessoa jurídica), com habitualidade,
ou seja, com jornada regular de trabalho.
Imperioso
considerar, também, a possibilidade do exercício de atividade profissional do
dirigente, para execução de tarefas que não se confundem com suas atribuições enquanto
dirigente. É o exercício da atividade da profissão daquele que ocupa o cargo de
gestor.
Esclareça-se, “ab
initio”, que a possibilidade de remuneração por tais serviços nunca enfrentou
problemas com a legislação e nem mesmo com os agentes de fiscalização das OSC,
tais como o Ministério Público, o INSS, a Receita Federal, os Tribunais de
Contas, etc.
Para exemplificar
o exercício da atividade profissional dos dirigentes pode-se citar exemplo de
um OSC com atuação na área de saúde cujo dirigente seja médico e, nessa
condição, preste serviços para a entidade. Ou ainda uma OSC cuja atividade seja
educacional e seu dirigente acumule as funções de diretor ou de professor na
respectiva unidade escolar. A remuneração por tais atividades, no entanto, não
pode ser destoante do quanto praticado pela Organização para os demais
profissionais da mesma categoria.
A possibilidade
jurídica da remuneração de dirigente não é uma novidade na ordem legal, na
medida em que existe essa possibilidade desde 1999, com a edição da Lei n.
9.790/99 para a OSC qualificada como Organização da Sociedade Civil de
Interesse Público (OSCIP).
O artigo 4º, inc.
VI da Lei apontada prevê a possibilidade de se instituir remuneração para os
dirigentes da entidade que atuem efetivamente na gestão executiva e para
aqueles que a ela prestam serviços específicos, respeitados, em ambos os casos,
os valores praticados pelo mercado, na região correspondente a sua área de
atuação.
A Lei 12.868.13,
regulamentada pelo Decreto 8.242/14, por sua vez, trouxe a possibilidade da
remuneração para os dirigentes das entidades beneficentes de assistência
social, que também atuem efetivamente na gestão executiva, explicitando que a
opção não importará em prejuízo à entidade para fins tributários.
E ainda, como
inovação legislativa, ela não definiu um parâmetro de valor máximo para
remunerar um Diretor não estatutário, mas prescreveu patamar salarial máximo
para o Dirigente estatutário.
Porém, muito
embora a Lei não tenha definido o valor máximo para remuneração do Diretor não
Estatutário, parece óbvio que a OSC deve respeitar o padrão salarial praticado
pelo mercado na sua área de atuação e um valor compatível com a política
salarial da própria Organização.
Em outras
palavras, a entidade não pode remunerar o seu Diretor não Estatutário em valor
superior ao praticado na região para atividades similares e nem em valor
excessivamente superior ao maior salário dos empregados da própria OSC, sob
pena de caracterizar a distribuição de seu patrimônio de forma disfarçada.
Em relação ao
Diretor Estatutário, por outro lado, a Lei n. 12.868/13 foi expressa em
estabelecer parâmetros legais claros e objetivos. Com efeito, estabelece ela
que, para preservar o status tributário da entidade, os “dirigentes
estatutários” só devem receber remuneração inferior, em seu valor bruto, a 70%
(setenta por cento) do limite estabelecido para a remuneração dos servidores do
Poder Executivo Federal. Atualmente a maior remuneração praticada para os
servidores públicos federais é de R$ 28.059,29. A remuneração dos dirigentes,
portanto, deve ser inferior a R$ 20.623,57.
Ademais, as
mesmas recomendações apresentadas para o Diretor não Estatutário valem também
para o Estatutário, na medida em que, muito embora respeitados os requisitos
fixados claramente pela Lei, deve observar-se o padrão salarial praticado pelo
mercado na área de atuação e valor compatível com a política salarial da
própria Entidade.
O dirigente
também, para ser beneficiado com a possibilidade de remuneração, sem
implicações tributárias para a OSC, não pode ser cônjuge parente até 3º grau
(sanguíneo ou por afinidade) dos Instituidores, Conselheiros, benfeitores ou
equivalentes. Nesse rol são incluídos, entre outros, os pais, avós, bisavós,
filhos, netos, bisnetos, tios, sobrinhos, sogro, cunhado, enteado, etc.
Trata-se de salutar regra que desestimula o nepotismo no Terceiro Setor.
A OSC também não
pode pagar, a título de remuneração de dirigentes (estatutários e não
estatutários) valor igual ou superior a cinco vezes o limite individual para a
remuneração de seus outros empregados.
A nova Lei foi
clara ao dispor que a remuneração do dirigente estatutário ou não estatutário
não impede o exercício de atividade profissional cumulativa, salvo se houver
incompatibilidade de jornadas de trabalho. O texto legal é importante, pois
confere segurança jurídica para as entidades.
Situação
da remuneração no âmbito da Imunidade Tributária
Interessante
indagar, na sequência, em primeiro lugar, se a inovação legislativa traz
segurança jurídica para as OSC de assistência social, especialmente para
remunerar seus dirigentes sem riscos para a imunidade tributária; em segundo
lugar, se as novas regras são constitucionais ou não.
Vejamos,
primeiramente, a questão da imunidade tributária.
A Constituição
Federal, em matéria tributária, possui a natureza analítica, na medida em que
demarca competências legislativas. Nesse sentido o artigo 195, par. 7º, dispõe:
“São isentas de
contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência
social que atendam àsexigências estabelecidas em lei.”
A imunidade
tributária, nesse sentido, é uma garantia constitucional dirigida diretamente
ao legislador, definindo a proibição de exercício da competência tributária no
âmbito do direito material permitido pela própria Constituição Federal. Em
outras palavras, é uma garantia, com verdadeiro status de direito fundamental,
declarando a impossibilidade do legislador tributar determinado fato.
É questão
pacífica na doutrina e na jurisprudência que ao utilizar o termo “isenção” no
artigo 195 da Constituição, o legislador constituinte quis dizer “imunidade”.
Houve emprego inadequado do termo, posto que não se questiona tratar-se de
imunidade de contribuições para a seguridade social por parte das entidades
beneficentes de assistência social, atendidos os requisitos estabelecidos em
lei.
A imunidade em
questão é vinculante, pois alcança todas as contribuições para o custeio da
seguridade social, devidas pelas entidades de assistência social que atendam
aos requisitos estabelecidos em lei. É chamada de imunidade específica (na
medida em que limitada a um único tributo), objetiva (posto que beneficia as
entidades de assistência social) e condicionada (aos requisitos definidos em
lei).
A Constituição
Federal é clara ao dispor que a garantia constitucional depende do atendimento
de requisitos estabelecidos em lei. A esse propósito, imperioso concluir que o
artigo 146, II, do texto constitucional, prescreve que, para regulação da
limitação ao poder de tributar (imunidade) deve ser feita mediante lei
complementar para disciplinar a respeito do seu conteúdo.
Nesses termos:
“Cabe à lei
complementar:
(…)
II – regular as limitações
constitucionais ao poder de tributar.”
A lei
complementar, por sua vez, ao regular a imunidade tributária, não possui
liberdade plena para tanto. A regulação não poderá inviabilizar a desoneração
prevista na Constituição. Ela deve tratar de aspectos formais, ou seja, elencar
medidas capazes de assegurar a eficácia da imunidade constitucional.
A propósito, a
Lei n. 5.172, de 25.10.1966 (Código Tributário Nacional – CTN), foi
recepcionada pela Constituição Federal de 1988 com status de lei complementar,
uma vez que estabelece normas gerais em matéria tributária e regulamentar à
limitação constitucional ao poder de tributar. Nesse sentido, a propósito, é
unânime o entendimento doutrinário e jurisprudencial.
Atualmente a
imunidade tributária garantida no artigo 195, p. 7º da Constituição Federal, é
regulamentada pelos artigos 9º e 14 do Código Tributário Nacional, com as
seguintes normas:
Art. 9º – É
vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(…)
IV – cobrar
imposto sobre:
(…)
c) o patrimônio,
a renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das
entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de
assistência social, sem fins lucrativos, observados os requisitos fixados na
Seção II deste Capítulo.
Art. 14 – O
disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos
seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:
I – não
distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer
título;
II – aplicarem
integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos
institucionais;
III – manterem
escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades
capazes de assegurar sua exatidão.
As novas regras
jurídicas são de relevância superlativa, pois conferem mais segurança para as
OSC de assistência social (assim entendidas aquelas certificadas e tituladas
como entidades beneficentes de assistência social), as quais, até pouco tempo,
conviviam com entendimentos, muito embora equivocados, de alguns dos próprios
órgãos de fiscalização do Estado, postulando que a remuneração podia significar
distribuição de parcela do patrimônio ou das rendas, pois a norma se refere “a
qualquer título”, podendo em tese subentender a contraprestação por atividade
de diretor estatutário.
Com efeito, tanto
para a OSC certificada como OSCIP como para a certificada como de “assistência
social”, com dispositivos legais expressos autorizando a remuneração dos
dirigentes, garantiu-se mais segurança jurídica para os administradores.
A clareza do
novel texto legislativo também tem importância singular pois desmoraliza a tese
– equivocada como anotado – de que a remuneração dos dirigentes das
organizações sem fins lucrativos importa em distribuição do patrimônio ou das
rendas. Independentemente da OSC ser certificada ou não, quer seja como
utilidade pública (federal, municipal ou estadual), organização social (OS),
organização da sociedade civil de interesse público (OSCIP) ou de assistência
social, é legítima (não só sob a ótica da moral como da lei) a remuneração do
dirigente que efetivamente presta serviços para a entidade, pois a
contraprestação pelo trabalho prestado é valor protegido inclusive
constitucionalmente.
No contexto desse
exercício de reflexão jurídica, cabe avançar no debate sobre o segundo aspecto
já antecipado há pouco, ou seja, se as novas regras são constitucionais ou não.
Poder-se-ia
indagar se a remuneração do dirigente estatutário e não estatutário pode ser
interpretada como distribuição do patrimônio, na forma prevista no art. 14, I,
do CTN. Ou se, tendo em vista que a Constituição exige Lei Complementar para
regulamentar a imunidade, pelo fato de ser Lei Ordinária, a Lei 12.868/13 teria
poder para tratar da matéria. E por ser Lei Ordinária ela garantiria segurança
jurídica para as OSC aplicarem-na sem risco de ter a imunidade questionada,
especialmente pelos órgãos de fiscalização?
A esse respeito,
para o dirigente no exercício da sua profissão, o entendimento é uniforme e não
há divergências, nem mesmo perante os órgãos de fiscalização, quanto à
possibilidade de remuneração, sem qualquer implicação para a imunidade ou a
isenção tributárias. Recomenda-se, no entanto, que o Estatuto seja claro a
esse respeito, estabelecendo inclusive o órgão responsável pela fixação da
contraprestação pecuniária pelo trabalho profissional.
Para o dirigente
não estatutário importante observar, ainda, que ele deve possuir vínculo
empregatício sob a égide da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e muito
embora não tenham sido fixados parâmetros pela Lei 12.868/13, é de rigor
observar o quanto foi recomendado anteriormente.
Já para o
dirigente estatutário, imperiosa a observância do padrão remuneratório da
região e da própria OSC, além daqueles definidos pela Lei n. 12.868/13.
Ainda no âmbito
do debate sobre a constitucionalidade da lei em foco, é muito importante
destacar que, até recentemente, vigoravam termos da Lei 12.101/09, que em seu
art. 29, inciso I, expressamente vedava a remuneração dos dirigentes.
Tratava-se de uma norma de conteúdo negativo.
Destaca-se que, a
inovação legislativa trazida pela Lei 12.868.13, de forma diametralmente
oposta, autoriza expressamente a remuneração mediante uma norma de conteúdo
positivo.
Em outras
palavras: enquanto antes se proibia a remuneração, hoje se permite
expressamente. E mais: enquanto antes a opção do legislador era por uma norma
negativa (proibitiva), hoje ela é positiva (com conteúdo de permissão).
Nesse contexto,
muito embora o Supremo Tribunal Federal ainda não tenha se pronunciado
definitivamente, pela composição integral de seus Ministros, da possibilidade
ou não da Lei Ordinária regular imunidade tributária, o texto constitucional é
claro nesse sentido e é certo que já há um posicionamento parcial da Suprema
Corte que permite concluir a respeito da constitucionalidade da Lei em comento.
A esse propósito,
o STF pronunciou-se neste sentido:
– os requisitos
para constituição e funcionamento das entidades imunes podem ser regulados por
Lei Ordinária.
– os limites e
requisitos da imunidade devem ser regulados por Lei Complementar.
Na mesma linha, a
orientação firme da doutrina.
Portanto
permite-se concluir que, enquanto a proibição de remunerar os dirigentes das
OSC seja um requisito para usufruir da imunidade tributária e, portanto, deve
vir ao mundo jurídico por meio de Lei Complementar, a permissão para remunerar
é mero requisito de funcionamento de entidade imune e, como tal, pode ser
tratada em Lei Ordinária.
Há, pois,
segurança jurídica, atualmente, para a remuneração dos dirigentes das OSC
tituladas como OSCIP, por força das disposições da Lei 9.790.99, assim como
para as OSC tituladas como “entidades de assistência social”, ante a
autorização expressa contida na Lei 12.868.13.
Trata-se, pois,
de importante e salutar norma jurídica que veio à realidade por meio do Marco
Regulatório do Terceiro Setor, como instrumento de conformação das OSC como
parceiros imprescindíveis do Poder Público para execução de políticas sociais.
Permite-se
verificar, nesse contexto, que há segurança jurídica para a remuneração dos
dirigentes, estatutários e não estatutários, para as OSC certificadas como de
assistência social, sem que a iniciativa possa ensejar prejuízos à imunidade e
à isenção tributárias.
O Terceiro Setor
vivencia no Brasil uma fase de grande e significativo crescimento, assumindo
papel de relevo na construção de uma sociedade mais participativa. Essa mutação
em verdade vem sendo verificada especialmente nas últimas três décadas, mas de
forma acentuada na última.
Esse processo de
mudança, por sua vez, tem exigido das OSC um novo perfil de gestão e,
consequentemente, a possibilidade de angariar gestores profissionais que
necessitam da pertinente remuneração.
No contexto da
construção de um Marco Regulatório do Terceiro Setor e dentre inúmeras outras
iniciativas em discussão e construção, a possibilidade de remuneração dos
dirigentes, estatutários e não estatutários, das OSC certificadas como
entidades de assistência social, sem prejuízo às imunidade e isenção
tributárias, é instrumento que veio em boa hora.
Ademais, trata-se
de importante passo na senda positiva para que as OSC e seus dirigentes comecem
a ser mais valorizados e identificados como vetores relevantes da desobstrução
dos entraves que as têm posto em situação de insegurança jurídica e social.
Tal situação é
absolutamente equivocada e inapropriada, notadamente quando se pensa na extrema
necessidade de se fortalecer vínculos para a construção de uma sociedade, de
fato, menos injusta e mais solidária, não apenas como retórica vã, mas como
anseio sincero e impostergável.
Referências
Bibliográficas
PL 7.168, de 2014, originado do PLS 649/2011 e apensado ao Pl 3.877/2004;
PL 4.663/2012, de autoria da Deputada Bruna Furlan;
PAES, José Eduardo Paes Sabo – Fundações, Associações e Entidades de Interesse
Social – Rio de Janeiro : Ed. Forense, 8ª edição, 2013;
Lei nº 12.868, de 15.10.2013;
Lei n. 12.101, de 27 de novembro de 2009;
Decreto n. 8.242/14.
BOTTALLO, Eduardo. Imunidade de instituições de educação e de assistência
social e lei ordinária: um intrincado confronto. In: ROCHA, Valdir de Oliveira
(Coord.). Imposto de renda: alterações fundamentais. V. 2. São Paulo.
Dialética, 1998, p.58.
FONTE:
http://observatorio3setor.com.br/ Por Airton Grazzioli, José Eduardo Sabo Paes e
Marcelo Henrique dos Santos 10/08/2014